Fui dormir mais tarde naquela noite. Estava assistindo alguns filmes, o relógio da sala marcava 01:00, aos poucos fui fechando meus olhos e dormi.
Acordei com um estouro, logo depois ouvi gritos, era o desespero que estava a duas quadras da minha casa. Estava com tanto sono que acabei dormindo novamente. Por pouco tempo. Sirenes me acoraram novamente, era por volta de 5 horas da manhã de domingo dia 27/01/2013. Então não consegui mais dormir.
Peguei meu celular, havia uma mensagem onde dizia: a boate Kiss pegou fogo mas nós conseguimos sair. No começo pensei que o fogo não era tanto, afinal eu ainda estava com aquela sensação de estar dormindo e não conseguia raciocinar direito.
Minha mãe me ligou no celular, eu não estava por perto, não atendi. Cinco minutos depois, ela ligou para o meu telefone residencial. Do outro lado da linha pude ouvir sua voz desesperada perguntando como eu estava e perguntando se eu havia visto o que tinha acontecido. No mesmo momento liguei a televisão e vendo a situação horrorosa que estava em Santa Maria fiquei aflita.
Entrei no computador para ver notícias e tentar falar com meus parentes para avisar que eu estava bem. Foi quando de imediato, abrindo a página do facebook, já vi várias pessoas comentando que estavam de luto, outras tantas pedindo informações e divulgando fotos de pessoas desaparecidas que estavam na boate Kiss na noite anterior.
Infelizmente, vi vários amigos postando mensagens em um mural de um amigo meu. Ele havia falecido na festa Agromerados. De início não acreitei, fiquei nervosa, sem saber o que fazer e ao mesmo tempo querendo ajudar. Liguei para o meu pai e o avisei, ele ficou em estado de choque e se emocionou ao saber que um amigo seu havia perdido um filho.
Continuei com a TV ligada e no computador, e tristemente, passaram-se horas e mais notícias ruins surgiam, mais amigos e conhecidos mortos e desaparecidos. Meu telefone tocava a todo momento, eram pessoas preocupadas perguntando como eu estava.
Falei com meus pais, decidi sair de Santa Maria e ir para Ijuí ficar com a minha família. Não estava com vontade de ficar naquele cenário de tristeza, e ainda mais: sozinha.
Conversei com uma amiga, ela também estava voltando para casa, como eu, queria ficar com a família. Nos encontramos na rodoviária, sentamos lado a lado no ônibus. Mal havíamos sentado e recebemos a notícia: mais uma amiga nossa tinha morrido.
Cheguei na rodoviária de Ijuí, recebi um abraço caloroso dos meus pais, minha mãe me disse chorando que o velório estava muito triste. Fui para casa, coloquei um casaco, já estava tarde, fui para o velório, haviam 3 caixões, 3 jovens entre 18 e 22 anos, sem vida, pálidos, com sonhos interrompidos.
Fui de caixão em caixão, abraçei mães, pais, e não, aqueles não eram meus amigos. Não eram aquelas pessoas que eu encontrava rindo, conversando, aquelas pessoas cheias de vida, com tantas expectativas, tão lutadoras, com tanta garra.
Estava apenas começando. Dormi umas duas ou três horas, acordei voltei para o ginásio onde estava ocorrendo o velório, havia chegado mais uma amiga minha. Era tão triste ver que as pessoas choravam e não achavam explicação para o que estava acontecendo. Liguei para o meu pai e fomos para um outro local onde estava sendo velada mais uma amiga minha. O cenário era o mesmo, pais desolados sem saber ou conseguir entender o motivo de estarem ali, velando seus filhos, sentindo tanta dor.
Passaram-se dois dias da tragédia na Boate Kiss, na Rua dos Andradas, rua que eu passei tantas vezes. E só hoje eu estou conseguindo me pronunciar sobre o ocorrido, infelizmente ainda estou muito abalada. Ouvi hoje uma frase que me fez refletir: "É tanta dor que eu não sinto felicidade em ter me salvado". É exatamente isso que eu estou sentindo, dor, tristeza, aflição. E nenhuma justiça irá trazer meus amigos de volta, nenhuma prisão irá completar os 234 lugares vazios que ficaram nas familias que perderam alguém.
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